Reta final
Um pouco mais de minhas memorias no Timor... (Isângelo)
No último dia 10 de
outubro, completei meu décimo mês no Timor Leste. Refletindo a respeito do que
tenho vivenciado até aqui, concluo que minha missão tem passado por três fases distintas.
Nos cinco primeiros
meses, participei do treinamento inicial, realisei provas e experimentei a vida
no afastado Distrito de Covalima. Após, fui transferido para a National Vulnerable Persons Unit – NVPU
- na condição de membro da equipe. Por último, nesta reta final, ocupo a posição
de líder da referida unidade, com a tarefa de conduzir UNPOLs e policiais
locais durante o encerramento das atividades das unidades para pessoas vulneráveis em todo o país. Em resumo: 1) treinamento introdutório
e lotação em Covalima; 2) Membro de equipe na NVPU; e finalmente, 3) Team
Leader da NVPU.
Nos relatos
anteriores, compartilhei um pouco do que vivenciei durante as duas primeiras
fases. Acrescente-se ao previamente posto que as semanas seguintes à minha
chegada na NVPU contituíram um período de observação, aprendizado e muito
trabalho. Ocasião em que ainda participei das eleições parlamentares no distrito
de Los Palos, situado no extremo oriental da ilha do Timor. Em que pese as
carências de infraestrutura e saneamento básico, um local simplesmente paradisíaco.
Ainda na segunda etapa,
tive a oportunidade de acompanhar o atendimento dos policiais locais aos mais
diversos casos, mormente aqueles relacionados a violência de gênero e violência
doméstica. Paralelamente, participei da elaboração de uma proposta de normatização
das atividades das VPUs[1]
sob as perspectivas legal, operacional e administrativa.
Trabalho conjunto com a VPU de Baucau. |
A proximidade do
Sistema Jurídico timorense com o brasileiro, dada nossa raíz comum com Portugal,
deixaram-me a vontade com o tema. Entretanto, a elaboração do documento,
escrito a múltiplas mãos oriundas das mais variadas culturas, exigiu boa dose
de paciência, flexibilidade e persistência.
Já adentrando meu último
quadrimestre na missão, topei o desafio de cadidatar-me a vaga de Team Leader da NVPU. Após alcançar êxito
no processo seletivo, substitui a UNPOL espanhola Maria Eroles, a qual havia
ocupado a função por aproximadamente 2,5 anos.
Tendo pouco tempo
até o encerramento do suporte operacional da UNPOL[2]
a Polícia Nacional do Timor Leste (PNTL), previsto para 31/10/2012, era o momento
de estabelecer metas realísticas para Unidade. Afinal, teríamos apenas 90 dias
para realizar algo de relevância.
Assim, surgiu a idéia de trabalharmos na elaboração
e difusão de um kit de ferramentas a
serem utilizadas por integrantes da PNTL[3],
em todos os níveis, no atendimento e desdobramentos de ocorrências envolvendo
pessoas vulneráveis.
Por conseguinte,
fruto do esforço conjunto de policiais locais, da consultora civil Gertrude
Nguku (Kenia) e do nosso time de UNPOLs, surgiram: a) um livreto de bolso com o
passo-a-passo do atendimento imediato e mediato de ocorrências envolvendo
pessoas vulneráveis; b) um bunner contendo os artigos, tipificações
e dicas acerca dos crimes previstos na Lei de Violência Doméstica timorense; e
por fim, c) um poster para a divulgação das atividades das VPUs.
Entretanto, não nos
bastava apenas desenvolver tais ferramentas. Os policiais que iriam operá-las
precisavam ser treinados a fim de serem capazes de tirarem o máximo proveito do
material. Por consequência, formatamos um workshop
a ser realizado de forma regionalizada (três vesões) a fim de que todos os
Distritos do Timor pudessem ser contemplados. E o principal, os facilitadores
nos encontros deveriam ser os próprios policiais timorenses.
Hoje, após a
segunda versão dos workshop,
percebemos que colhemos bons frutos. Já dá para dizer que valeu a pena ter
abraçado o desafio. Os instrutores, policiais locais, que mostraram certa
insegurança na primeira versão do treinamento, revelaram-se completamente a
vontade na segunda, tanto na ministração das aulas, quanto no desenvolvimento
de cenários e estudos de caso.
Essa desenvoltura
dos timorenses em público, tem me chamado a atenção desde os primeiros momentos
em Covalima. É realmente extraordinário como os locais se sentem a vontade seja
qual for a platéia.
Brazilian Medal Parade – Medalha “In Service of Peace”
Seguindo, não
poderia deixar de citar o Medal Parade dos UNPOLS brasileiros, ocorrido na
nossa última data nacional, 07 de setembro. Preciso confessar que foi difícil
segurar a emoção ao longo do evento.
Impossível não
lembrar dos percalços, renúncias e desafios superados para que aquele momento
se tornasse realidade. De igual forma, senti-me lisonjeado por ter o esforço na
NVPU, juntamente com o trabalho do Major Rodrigo Fernandes (RJ), no Distrito de
Oecusse, reverberado em ambos os discursos das mais altas autoridades
representativas dos UNPOLs e da própria UNMIT[4].
Contigente Policial Brasileiro durante entrega da medalha e numerais da ONU |
Neste ínterim,
permito-me repetir ditado, muitas vezes
proferidos pelo General Cândido Freires, ex-Secretário de Segurança do DF: “se
você quer ir rápido, vá sozinho. Se, no entanto, quiser ir longe, vá
acompanhado.
Durante aquela que
constitui a cerimônio de maior relevância para um UNPOL, repentinamente me
apercebi de que pela primeira vez celebrava uma conquista de peso, sem a
presença física de qualquer um de meus pais, esposa, irmãos ou familiares mais
próximos. Mais do que nunca, o ditado do velho general revestiu-se de
significado para mim. Sozinho, não teria chegado do outro lado do planeta e em
tais circunstâncias.
Familiares, amigos,
ex-comandantes, instrutores, colegas de trabalho e de classe, veteranos com
suas histórias inspiradoras, enfim, os tributários dessa conquista constituem
uma multidão a qual serei eternamente grato. Entretanto, nada se compara aos
sacrifício de minha esposa e filha, que graças ao bom Deus, foram acolhidas por
minha sogra Maria Lúcia e cunhado Bruno Oliveira em minha ausência.
Despedidas
Em outra
oportunidade, descrevi como o ambiente de missão aproxima pessoas que outrora
eram completamente estranhas umas as outras. O mais interessante é que todos
portamos o cartão de identidade da ONU, o qual trás em destaque nosso último
dia de missão (End of Mission). Ainda
assim, a entrega a amizade é inevitável.
Na missão, do mesmo
jeito que as pessoas entram em sua vida, passam a fazer parte de seu cotidiano
e até compartilhar anseios, temores e conquistas, elas se vão. Ao longo destes
dez meses, tenho participado de muitas despedidas. Nesses momentos, com
frequência ouço a respeito do turbilhão de sentimentos oriundos da expectativa do almejado reencontro com a família em
contraposição ao aperto no coração por saber que amigos estão ficando para
trás.
Despedida da Capitão Gilmara (Bahia) e Lígia (SP) |
Foi nesse ambiente
que vi partir as duas únicas mulheres integrantes do contingente policial
brasileiro: Capitão Gilmara (BA) e Tenente Lígia (SP). Também, deixaram a missão
para abraçar outros desafios, civis brasileiros de convívio muito próximo como
Gabriele Miquelino, Alessandra Lisboa e Bernardo Santos. Contudo, a lista de
brasileiros ou estrangeiros com quem tive a oportunidade de conviver é
infinita.
Assim, peço licença
para um comentário que possa parecer piegas: em que pese o sentimento nostálgico,
o lado positivo disso tudo está em saber que levarei um pouco de cada um desses
colegas para casa.
Perspectivas
Na próxima semana, o
último dos três workshops regionais terá
lugar no Distrito de Baucau. Ainda hoje, por alí se podem encontrar túneis
utilizados pelos Japones ao longo dos três anos em que utilizaram o território
timorense como base para ataques a Austrália durante a Segunda Grande Guerra. A
despeito desses fatos hitóricos, Baucau atual constitui importante polo
politico, econômico e cultural no Timor. Não haveria melhor lugar para a última
realização de grande porte da NVPU.
Na continuação,
espera-se a desmobilização de toda estrutura da UNMIT e a esperada volta para
casa. Neste contexto, sinto-me como fazendo parte de uma prova de revezamento.
Embora tenha que fazer o meu melhor, é a média da equipe que realmente conta.
Contudo, se deixar o bastão cair, ponho tudo a perder. Essa constitui uma tremenda
responsabilidade, mas também um grande privilégio.
Nessa prova, fui
antecedido por milhares de policiais que tem chegado e partido do Timor desde o
início da década de noventa. Especificamente na NVPU, tenho a tarefa de
depositar o bastão na linha de chegada. Feito assim, poderei afirmar que bem
cumpri a missão, para honra de Deus, de minha família, de minha pátria e por um
futuro de paz e prosperidade para o Timor .
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