Metade do caminho percorrido
A seguir, relato de minha segunda etapa no Timor - maio/2012 (Isângelo)
Eleição presidencial, segundo turno – em Dili.
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Você viverá cinco anos em um. Era o que costumava ouvir de veteranos
antes de partir para o Timor Leste.
No último relato, contei um pouco acerca de minhas primeiras experiências
na missão, sobretudo no Distrito de Covalima. Atualmente, estou lotado na Unidade
Nacional para Pessoas Vulneráveis (National
Vulnerable Persons Unit - NVPU), em Dili. São passados mais de seis meses literalmente
do outro lado do planeta. A esta altura, posso confirmar quão verdadeira era
aquela afirmaçao dos veteranos.
Vida de UNPOL no Distrito
de Covalima
Como UNPOL (United Nations Police
Officer) encarregado de monitorar e aconselhar a polícia local em matéria
de polícia comunitária, percorri todos os subdistritos e vilas de Covalima.
Em consequência disso, vivi uma intensa interação tanto com a polícia
local, quanto com autoridades e cidadãos ordinários. Este trabalho impõe inúmeros
desafios como, por exemplo, a direção de veículo 4X4. Neste caso, temos que nos
habituar a locais íngremes, cruzar rios, desviar de crianças e animais ao longo
das estradas, além de dividir passagens estreitas com outros veículos a beira
de despenhadeiros. Uma surpresa a cada curva.
Estrada para o Subdistrito de Fatululic. |
No período em que atuei junto a Unidade de Polícia Comunitária de
Covalima, nossos esforços foram centrados, principalmente, nos temas: eleição
presidencial e grupos de artes marciais. Tais frentes de atuação foram escolhidas
em razão dos cenários local e nacional.
Em setembro de 2011, um conflito entre dois grupos rivais culminou na
queima de duzentas casas e na morte de um policial local em Zumalai, Covalima.
De igual forma, na Vila Camanassa, próximo a sede UNPOL/PNTL, cheguei a
presenciar confrontos de igual natureza, de menor proporção, todavia.
Em nível nacional, temendo o uso político de tais grupos, o primeiro
ministro timorense reuniou as principais organizações da sociedade civil afetas
ao tema e anunciou a suspensão das atividades dos grupos de artes marciais
durante o ano eleitoral (2012). Esta medida, juntamente com o trabalho de
sensibilização realizado nas vilas de Covalima, parece ter surtido efeito, vez que
problemas semelhantes deixaram de ser reportados no distrito antes, durante e
após o certame.
Centro de votação – Vila Holpilat |
No mês de março, foi realizado o primeiro turno da eleição presidencial
do Timor. Nosso trabalho, como UNPOLs, basicamente consistiu em supervisionar a
atuação da PNTL (Polícia Nacional de Timor Leste) quanto a: a) carreatas e comícios;
b) escolta de urnas e cédulas eleitorais; c) segurança de locais de votação; d)
avaliação das condições gerais de segurança nos dias seguintes a eleição; e)
etc.
No segundo turno, já no mês de abril, atuei no Distrito de Bobonaro,
aquela também uma região de fronteira com a Indonésia. De igual forma, tudo
transcorreu em perfeita ordem.
Ademais, chama atenção a forma como a população compareceu em peso para
votar, independente das adversidades correlatas a clima e relevo. No primeiro
turno, por exemplo, a face sul da Ilha sofreu com o reflexo de um furacão que
atingiu o mar do Timor. Árvores tombadas nas estradas, aumento do volume de
rios e desmoronamentos de encostas dificultaram ainda mais os deslocamentos de
votantes e agências responsáveis por levar a eleição a efeito.
Avaliação pós-eleitoral – visita ao chefe Suco – Subdistrito de Fatumean |
Convém acrescentar que, a pedido da embaixada brasileira, distribuímos
cartilhas e palavras cruzadas em escolas públicas num esforço de promoção da língua
portuguesa em Covalima. Este trabalho foi por demais gratificante dada à reação
da comunidade ao receber o material. Por aqui, em que pese a dificuldade da
população em comunicar-se por meio da língua de Camões, o timorense se orgulha
de dizer que o português é a língua mais falada no hemisfério sul.
Nova lotação
Passado o primeiro turno da eleição presidencial, já com quatro meses na área de missão, recebi
um convite para compor a equipe da National
Vulnerable Persons Unit – NVPU, sediada na capital Dili.
Naquele momento, meu sentimento era de que havia cumprido um ciclo
importante do meu turn of duty. No
interior, vivenciei um período de trabalho intenso onde fiz amizades das quais
sentirei falta. Alí, o desafio maior fora a adaptação a um ambiente de
privações. Todavia, era chegada a hora de abraçar experiências mais
desafiadoras no campo profissional.
Na NVPU, continuo a trabalhar com policiais locais, ao lado de UNPOLs de
Espanha, Samoa e Gâmbia. Sendo a NVPU uma unidade do Criminal Investigation Service, interajo com unidades voltadas para
crimes contra pessoa, patrimônio, sistema financeiro e etc. Daí, a gama de
policiais de outras nacionalidades aumenta consideravelmente (Portugal, Turquia,
China, Índia, Austrália, Filipinas, Nepal, Malásia, Tailândia, dentre outras).
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Convém rememorar que, desde a restauração dos poderes da Polícia
Nacional Timor Leste - PNTL, em 2010, os policiais locais são os responsáveis
pelo ciclo completo de polícia, trabalho outrora realizado pela Polícia das
Nações Unidas.
Dessa forma, cabe a nossa contraparte, NVPU/PNTL, supervisionar o
trabalho das Unidades para Vítimas Vulneráveis nos 13 (treze) distritos do
Timor em termos de atendimento de ocorrências e investigações. Da mesma maneira,
compete a NVPU/PNTL prestar assistência às vítimas e conduzir a investigações
em caso de crimes de grande repercussão perpetrados contra menores, mulheres,
idosos e portadores de deficiência física ou mental.
Infelizmente, a violência doméstica, tal qual em vários outros países, é
algo preocupante no Timor. Reputa-se tal realidade a fatores como: passado de
violência generalizada no país; configuração tradicional da sociedade; rinhas
de galo; dote pago pelo noivo em troca da noiva; dentre outros.
Igualmente, abusos sexuais, inclusive contra crianças, são recorrentes.
Por sorte, as instituições locais têm abordado a questão de forma franca e
direta. A Lei Nº 7/2010 que alça os crimes domésticos a categoria de crime público
é um exemplo disso.
Em suma, em meu novo dia-a-dia, tenho desenvolvido as seguintes
atividades: a) supervisão e consultoria dos/aos policiais locais; b) interação
com NGO, agências do Governo local e das Nações Unidas voltadas para o público
alvo da NVPU; c) condução de treinamento para novos policiais que chegam à área
de missão; d) etc.
Acomodação
Em termos de conforto, vive-se melhor em Dili do que em Covalima. Variedade
de restaurantes e supermercados e o fornecimento de água/energia 24h são benefícios
da vida na capital. Quanto à moradia, passei a viver no mesmo compound[1]
onde residem o TC QOPM Valdemir e o Major Roberto Freitas (ambos da PMDF).
Poder contar com a amizade e experiência desses oficiais faz toda a diferença
no dia-a-dia.
Perspectivas
No dia 20/05, o Timor Leste completou 10 anos de restauração de sua
independência.
Na mesma ocasião, tomou posse o presidente Taur Matan Ruak.
Em sendo o Timor uma república parlamentarista, em julho, novamente o
pais vai às urnas. No momento em que a ONU se prepara para encerrar a UNMIT, o
certame determinará aqueles que ditarão os rumos desta que é a mais nova nação
da Ásia.
De toda sorte, nesta semana de festa, o patriotismo revelado pelo povo
timorense impressiona. Não sem razão.
No cotidiano, convivemos com pessoas que conheceram o cárcere, a
tortura, os refúgios nas montanhas; pessoas que tiveram entes queridos
enterrados em covas coletivas, outros arremessados de penhascos; pessoas que
assistiram massacres no interior de igrejas e que fugiram de rajadas de
metralhadora enquanto sepultavam seus caros. O timorense conhece o exato preço
da liberdade.
Cemintério de timorenses tombados durante a resistência – Subdistrito de Lolotoe |
Considerações Finais
Em suma, ao longo do último semestre, tenho vivido em meio a um mosaico
de nacionalidades e a interação com uma cultura que há pouca era completamente
estranha a mim.
Juntamente com a necessidade de rápida adaptação a novas realidades nos campos
pessoal e profissional, a experiência no Timor Leste tem sido algo
gratificantemente único.
No mais é administrar a saudade de casa, manter corpo, mente e espírito
saudáveis, para levar a bom termo esta derradeira etapa de missão na terra do
crocodilo adormecido.
FATOS
POR FOTOS
Dili em dia de chuva forte. |
Eleições |
Viatura da Polícia Nacional Timor Leste – Dili. |
Liza (timorense) – interprete da NVPU. |
Palestra para 400 alunos – Vila Suai Loro |
Dia de eleição – com locais e UNPOL Vudt (Tailândia) Subdistrito de Lolotoe/Bobonaro |
Almoço improvisado – Segundo turno da eleição presidencial |
Bobonaro |
Maré baixa na praia da Areia branca – Dili. |
Distribuição de livros infantis em língua portuguesa. |
Com Georgio Argenti (Austrália) e Ten. Adriano Bezerra (Ceará). |
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